A Escola Precisa de Mudar: Porque o Mundo Já
Mudou
Vivemos um
tempo curioso: o mundo gira cada vez mais depressa, mas a escola parece
continuar presa a um tempo que já passou. Enquanto tudo à nossa volta se
transforma; as tecnologias, as relações, as formas de comunicar, de aprender e
até de trabalhar; a escola permanece, em muitos casos, ancorada a um modelo que
foi criado para um mundo que já não existe.
Durante muito
tempo, o objetivo da escola foi preparar cidadãos para integrar um sistema
industrial. A organização das turmas, o silêncio das filas, os toques a ditar o
ritmo do dia, a ênfase na memorização e na repetição... tudo isso fazia sentido
num tempo em que se esperava que os jovens se tornassem trabalhadores
disciplinados, metódicos, rápidos e obedientes. A escola funcionava como uma
pequena fábrica de pessoas formatadas para cumprir tarefas, para seguir regras
sem questionar, para competir em vez de colaborar.
Mas esse tempo
passou. E se o mundo mudou (e continua a mudar), então é urgente que a escola
acompanhe essa transformação.
Hoje, fala-se
muito da inteligência artificial e do impacto que terá nas profissões. Alguns
dizem até que a profissão de professor poderá desaparecer. Será mesmo? Talvez,
se o professor continuar a exercer o seu papel como sempre fez — a falar para
quem copia, a exigir silêncio sem escuta, a repetir fórmulas sem abrir espaço
para o pensamento. Porque se o professor quiser ser uma máquina, então será
facilmente substituído por uma. Mas o verdadeiro professor é insubstituível.
Porque nenhum robô ensina com empatia. Nenhum algoritmo percebe o brilho no
olhar de uma criança que acaba de compreender algo novo. Nenhuma tecnologia
consegue criar uma relação pedagógica baseada na escuta, na emoção, no afeto.
O papel do
professor precisa de se reinventar. Não para se tornar mais moderno ou digital,
mas para se tornar mais humano. Para deixar de ser apenas transmissor de
conteúdos e passar a ser construtor de contextos. Para deixar de avaliar apenas
respostas certas e começar a valorizar perguntas profundas. Para deixar de
controlar a sala e começar a inspirar a turma.
A relação com os pais: um novo entendimento
necessário
Por outro
lado, há também que refletir sobre a relação entre a escola e as famílias.
Muito se tem dito sobre uma geração de pais que “questiona tudo”, que “não
aceita regras”, que “tira autoridade ao professor”. Mas será mesmo só isso? Ou
será que há, também, um corpo docente que permanece muitas vezes inflexível,
fechado numa visão tradicional do que é ser professor?
Talvez os pais
tenham percebido que o mundo mudou mais depressa do que a escola quis admitir.
E talvez seja legítimo, até saudável, que questionem, que queiram participar,
que defendam os seus filhos. É fácil apontar o dedo, mas talvez o convite aqui
seja à escuta mútua. Porque nem tudo o que se fazia antes era certo. Durante
décadas, toleraram-se gritos, humilhações, castigos e até o uso da régua ou da
cana. Isso era aceite, normalizado — e é um alívio saber que hoje já não é.
Sim, deve
haver autoridade. Mas não autoritarismo. O respeito não se impõe pelo medo.
Constrói-se na relação, na presença, na confiança. E o professor que acolhe,
que dá espaço, que escuta — esse é respeitado, não porque levanta a voz, mas
porque sabe usar a sua voz com verdade.
Também as famílias têm um papel que não pode ser
esquecido
Ao mesmo
tempo, é importante que as famílias também se revejam com honestidade. Educar é
difícil — e hoje, mais do que nunca, exige presença. Não apenas física, mas
emocional. O excesso de permissividade, o “sim” constante, os ecrãs usados como
babysitters, a ausência de momentos reais de convivência... tudo isso
tem um impacto profundo nas crianças.
Não se
constrói um ser humano inteiro sem limites. Não se ensina empatia sem tempo
partilhado. E não se oferece segurança afetiva sem abraços, sem histórias, sem
escuta. O desafio não é só da escola. A responsabilidade de educar não é
delegável — é uma missão partilhada. E quando escola e família caminham em
lados opostos, é a criança que fica no meio, sem chão.
Valorizar a
infância é valorizar o tempo. É saber dizer “não” com amor. É usar os ecrãs com
intenção, e não como fuga. É estar presente, mesmo que o dia tenha sido longo.
É ensinar, com o exemplo, o valor da paciência, do cuidado, da escuta. Porque a
escola não pode tudo. E porque os afetos que vêm de casa são o primeiro e mais
importante espaço de aprendizagem.
Caminhar juntos para transformar
O que eu
gostaria, eu, professora do 1.º ciclo com os sonhos reunidos no projeto id&ias
em prática, não é uma revolução agressiva, mas uma transformação
profunda. Uma mudança que comece por dentro: dentro das escolas, dentro dos
professores, dentro das famílias. Uma mudança que entenda que educar é mais do
que ensinar conteúdos. É formar seres humanos sensíveis, autónomos, críticos,
solidários e criativos. É parar de preparar para um mundo que já não existe, e
começar a preparar para um mundo que está por fazer.
A escola
precisa de espaços de reflexão, de experimentação, de coragem. Precisa de
escutar os seus professores e de lhes permitir criar, errar, repensar. Precisa
de confiar nas crianças e nos seus ritmos. Precisa de criar pontes com as
famílias, não muros. E precisa, sobretudo, de querer mudar — com
intencionalidade, com delicadeza, com urgência.
Porque educar
não é apenas preparar para o futuro. É transformar o presente. E esse presente
começa agora.